Às 5 horas da tarde, um cheiro delicioso inundava a nossa casa e tomava a redondeza, avisando as crianças que era hora do lanche.
O pão de queijo não era desses congelados e a gente comia o amor e dedicação que minha mãe colocava no preparo dele e outros tantos quitutes que ela tinha prazer em servir diariamente na nossa casa.
Já com o estômago colado nas costas, um bando de meninos e meninas imundos, suados e esfomeados invadiam a cozinha e fosse o que Deus quisesse! Cabiam todos nesse coração de mãe e nos espalhávamos pela mesa, de pé na cozinha, na sala e outros apenas pegavam tudo que conseguiam segurar e corriam de volta para a rua, porque a brincadeira não podia parar.
Numa pequena cidade do interior de Minas, a fama da minha mãe de boa cozinheira corria solta e cobria de credibilidade alguns vendedores de quitutes na rua que anunciavam: “- É receita da Dona Alzira”.
Lembro dela na cozinha, diariamente, com um domínio espetacular daquele espaço da casa que hoje, quando penso em toda a variedade, volume e o preparo artesanal, me surpreende a tranquilidade com que ela transitava ali, a alegria e o prazer de ver a mesa cheia de elogios.
O livro de receitas da minha mãe está vivo, com páginas amarelas, manchadas de comida respingada e notas explicativas, escondendo alguns segredos no preparo e a herança afetuosa de algumas delas: “Bolo de Fubá da Tia Maria”, “colocar só metade do leite”, “Rosca de Bolas com Nozes”, essa última era uma receita importada de uma americana que vivia na nossa cidade! Meu Deus, lembro até o cheiro dessa rosca deliciosa!
Aprendi com a minha mãe que o sotaque mineiro não se restringe ao cântico da língua. A cultura que pronunciamos é cultivada assim, em volta da mesa, de portas abertas, com uma química inconfundível aos olhos e paladar.
Herdei o gosto pela cozinha – só o gosto – e a principal receita de família que carrego é uma mesa cheia de lembranças que me constituem como eu sou e que me imprimiu um sotaque mineiro bem carregado!
Foto de Julio Melanda