1.
Liu Xiaobo foi um ativista chinês pelos direitos humanos, preso em consequência de sua atuação pela democratização da China. Ele recebeu o Prêmio Nobel da Paz em Dezembro de 2008, enquanto estava na prisão, e veio a falecer em 2017.
Eu conheci a história de Xiaobo e sua mulher Liu Xia em razão da dedicatória do livro Alfabeto da sociedade desorientada: Para entender o nosso tempo, do Domenico de Masi. Esse célebre autor italiano, que infelizmente também nos deixou em 2023, dedica a obra ao casal e faz-lhes uma declaração de amor seguida do seguinte trecho:
“Em seu cárcere na Manchúria, onde lhe foram tirados papel e tinta, Liu traça seus versos sobre o pavimento de pedra, molhando um dedo na tigela da água que bebe. Enquanto isso, sua mulher Liu Xia, após recusar-se a pedir o divórcio, como lhe impunham as autoridades policiais, foi internada em uma clínica de Pequim, onde é cotidianamente submetida à condição de enlouquecer ou suicidar-se. Liu e sua mulher estão condenados à damnatio memoriae* pelo dragão do Oriente e pela conivência do Ocidente, ambos dispostos a ignorar, por cínico interesse, que o gigante dos capitais financeiros esconde o anão dos direitos humanos.”
*Damnatio memoriae é uma expressão latina que significa “condenação da memória”. No Direito Romano, era uma pena desonrosa e dura, que consistia em apagar qualquer vestígio de uma pessoa, como se nunca tivesse existido.
2.
No mesmo livro, Domenico de Masi cita como Eduardo Galeano descreveu o nosso sistema:
“Os funcionários não funcionam. Os políticos falam mas não dizem. Os eleitores votam mas não escolhem. Os meios de informação desinformam. Os centros de ensino ensinam a não aprender. Os juízes condenam as vítimas. Os militares estão em guerra contra seus compatriotas. Os policiais não combatem os crimes porque estão ocupados demais em cometê-los. As perdas se socializam, os rendimentos se privatizam. O dinheiro é mais livre do que as pessoas. As pessoas estão a serviço das coisas”.
Esse é um trecho do “Livro dos Abraços,” que eu também tive o prazer de ler.
No mesmo livro Galeano nos dá um caminho:
“Quando é verdadeira, quando nasce da necessidade de dizer, a voz humana não encontra quem a detenha. Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros, ou por onde for. Porque todos, todos, temos algo a dizer aos outros, alguma coisa, alguma palavra que merece ser celebrada ou perdoada pelos demais.” Celebração da Voz Humana/2 – O Livro dos Abraços – Eduardo Galeano
3.
Inúmeros ativistas manifestaram-se sobre o texto final da COP 29 e a truculência dos países que têm sua economia dependente de combustíveis fósseis nas negociações sobre financiamento climático, um mecanismo importante para compor o aspecto ético das mudanças climáticas, a justiça climática.
Os 300 bilhões de dólares anuais, até 2035, que fizeram parte do texto final, estão distantes do trilhão reivindicado por países que têm sua economia e vidas ameaçadas em consequência das mudanças climáticas, como é o caso de países em desenvolvimento e insulares.
4.
“A ativista ambiental Greta Thunberg criticou em suas contas nas redes sociais o rascunho da proposta da Conferência das Nações Unidas Sobre Mudança Climática de 2024 (COP-29), que está acontecendo em Baku, no Azerbaijão. Ela chamou o resultado do fórum internacional até então apresentado de “completo desastre” e disse que a falta de compromisso real com a tomada de medidas para frear a crise climática representa uma “sentença de morte para inúmeras pessoas cujas vidas foram ou serão arruinadas”.” Portal Terra
“A ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, avaliou a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2024, em Baku, Azerbaijão, como uma “experiência difícil”. A declaração foi dada durante o discurso da autoridade brasileira, neste sábado (23), na plenária final da COP 29. “É fundamental, sobretudo após a difícil experiência que estamos tendo aqui em Baku, chegar a um resultado minimamente aceitável para todos nós, diante da emergência que estamos vivendo.” Notícias UOL
“Este objetivo não é o que esperávamos conseguir. Depois de anos de discussões, não é ambicioso para nós”, disse Evans Njewa, diplomata do Malauí e chefe do bloco de Países Menos Desenvolvidos.” G1
“O representante da Índia, por exemplo, se opôs à adoção do acordo, enquanto o da Bolívia disse que o documento “consagra a injustiça climática” e “consolida um sistema injusto”. A negociadora da Nigéria chamou o valor acordado de “piada”.” G1
5.
Durante essa cobertura da COP 29, alguns comentários críticos e desesperançosos com esse mecanismo e modelo de negociação global.
Até encontrarmos uma outra solução, esse é o único que temos e as pautas ambiental e de direitos humanos são universais.
“Não sou nem otimista, nem pessimista. Os otimistas são ingênuos, e os pessimistas amargos. Sou um realista esperançoso. Sou um homem da esperança. Sei que é para um futuro muito longínquo. Sonho com o dia em que o sol de Deus vai espalhar justiça pelo mundo todo.” Ariano Suassuna
Sou uma realista esperançosa.
6.
Para quem procura um texto mais jornalístico sobre o balanço da COP 29, vou deixar várias referências no final.
- Recomendo um vídeo do Al Gore no World Economic Forum em 2023.
- O texto mais didático sobre o panorama final do Acordo é do Nexo Jornal.
- Vou deixar, também, o link para várias publicações de colegas aqui no Linkedin
7.
O anão dos direitos humanos precisa falar alto para ser ouvido. A COP 30 tem o dever de amplificar essas vozes, no seio da floresta e em um dos países que tem mais soluções de energias renováveis e bons exemplos de soluções baseadas na natureza.
8.
“Eu estou interessado é na caminhada que fazemos aqui, na busca de uma espécie de equilíbrio entre o nosso mover-se na Terra e a constante criação do mundo. Pois a criação do mundo não foi um evento como o Big Bang, mas é algo que acontece a cada momento, aqui e agora. Ailton Krenak – A vida não é útil
Fontes:
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2024/11/23/cop29-acordo-final-baku-azerbaijan-meio-ambiente
https://www.theguardian.com/environment/live/2024/nov/22/cop-29-live-poor-countries-may-