Eu estava no shoppping fazendo um lanche com a Helena, minha filha de 7 anos, quando passou por nós uma adolescente. Eu a vi apenas de costas e ela a viu de frente e comentou comigo que a menina tinha os seios muitos grandes, se eu tinha visto.
Aproveitei a surpresa dela para explicar que nossos corpos são diversos, que a diferença entre as pessoas é o que nos faz únicos, mas, sabendo que se tratava de uma adolescente e que a Helena passará por isso, reforcei sobre essa transição. Em como podemos achar algumas características nossas desproporcionais porque, afinal, essa ainda não é nossa versão final, mas um despertar de mudanças que irão amadurecer com o tempo e sempre.
Para ficar mais fácil dela entender, dei o meu exemplo. Aos 15 anos, eu também tive os seios muito grandes, que se tornaram mais proporcionais com o tempo. Em uma época que ainda não tínhamos redes sociais e o confronto com a nossa aparência passava por algumas poucas olhadas no espelho para nos trocar ou arrumar o cabelo isso poderia ter passado despercebido, no meu caso, se não fosse o insistente reforço da minha mãe que tinha alguma coisa errada e que eu deveria fazer uma cirurgia de redução.
Com um pai médico, que entendia um pouco melhor o que estava acontecendo, me livrei da sala de cirurgia, mas não saí ilesa desse e de outros constantes reforços que minha mãe fazia sobre defeitos na minha aparência. Menos pela aparência em si, que não considero que tive problema com isso, mas pela falta de acolhida com o que eu estava me tornando.
Falei um pouco sobre isso também com a Helena, de forma bem sutil, mas para exemplificar que o olhar do outro não deve nos definir. Eu me sentia bonita e isso é o que importava.
A reflexão dela, nessa nossa conversa confidente ficará marcada em mim para sempre. Ela me olhou com um olhar muito terno e me explicou o seguinte: “- Sabe mãe, o que importa é que você é muito inteligente. Imagine que sua cabeça é uma biblioteca cheia de livros. Como você é inteligente, você pegou esse livro com essas coisas ruins que a vovó falava sobre você, separou e jogou fora…. (e ela deu uma paradinha, como se quisesse sair de uma enrascada)… pela orelha!!!”
Fantasiosa e literal, com toda a genialidade das crianças. Se eu tivesse simplificado assim a forma de lidar com isso, teria me poupado alguns anos de terapia!!!
Minha jornada na relação com a minha filha está apenas começando, mas espero que possamos ter espaços de abertura e diálogos verdadeiros como nesse dia.
E minha mãe? Nunca foi sobre mim e, hoje, reconheço o lugar que essa visão de mundo tem em outras questões na vida dela. Isso me permite compreendê-la e amá-la, reforçando todos os dias que me interessa a construção de uma relação de afeto, mas sobretudo de acolhida.
Foto de Miguel Á. Padriñán