Minha singela compra de um exemplar para o Kindle faz parte da estatística do aumento de 1.400% na venda do livro “O Avesso da Pele”, do Jefferson Tenório, na Amazon, depois que a obra foi recolhida em escolas de três estados brasileiros.
Tenho inúmeros adjetivos politicamente corretos para descrever minhas impressões dessa obra, todos positivos, mas prefiro repetir o depoimento do Emicida:
“Eu tô 200% com @jefempessoa puta livro foda é o avesso da pele. Se vocês ainda não leram, deveriam. ” @emicida, no Twitter (X) 1:16 PM · 11 de mar de 2024
A obra é um mergulho no racismo, necessário para o letramento da nossa sociedade, e discute, ainda, violência policial e vínculos familiares.
Em entrevista ao Nexo Jornal, o autor complementa: a obra tem como objetivo uma “reivindicação afetiva, que vai restituir a subjetividade perdida ou retirada em função do racismo e da violência”.
Corta para as redes sociais…
No mesmo dia que termino a leitura do livro, passa no meu feed do Instagram, no perfil do “Razões para Acreditar” – página que divulga ações solidárias, generosas e empáticas e que faz vaquinha para famílias em situação de vulnerabilidade -, um post com a imagem de um menino negro e a seguinte chamada:
“Miguel, que vendia temperos para não passar fome e conseguir material escolar para os irmãos, está com medo de vender após ser atacado “Vou te colocar na jaula”.
No vídeo, o depoimento de Miguel:
“Eles dois me seguraram, tamparam a minha boca, tamparam o meu olho e amarraram os meus dois tênis. E aí ele começou a falar “anda seu neguinho”, ameaçou de me bater, falou que ia me jogar na jaula.”
Miguel sofreu violência em razão da cor da sua pele. Ele tem 10 anos.
Corta para o livro que continuo lendo, depois de terminar o Avesso da Pele…
“Essas teorias racistas, proeminentes e respeitáveis durante muitas décadas, se tornaram anátema entre cientistas e políticos. As pessoas continuam a se empenhar numa luta heroica contra o racismo sem notar que o front de batalha mudou, que o lugar do racismo na ideologia imperial agora foi substituído pelo “culturismo”. Essa palavra não existe, mas chegou a hora de cunhá-la. Nas elites atuais, afirmações sobre os méritos contrastantes de diversos grupos humanos são quase sempre formuladas em termos das diferenças históricas entre culturas, e não mais nas diferenças biológicas entre raças. Já não dizemos “Está no sangue deles”. Dizemos “Faz parte da cultura deles”. Sapiens: Uma Breve História da Humanidade, do Yuval Noah Harari.
Volto para ler as declarações das justificativas de recolhimento do livro…
“o texto tem expressões, jargões e descrições de cenas inadequadas para menores de 18 anos”
“vocabulários de tão baixo nível para serem trabalhados com estudantes do Ensino Médio”
Queria entender a faixa etária dos ouvintes de funk e o teor das letras…
Em reportagem sobre funk, no site Metrópolis:
“Segundo o Datafolha e a consultoria JLeiva Cultura & Esporte, o “batidão” é o preferido da juventude. Na faixa etária de 12 a 15 anos, é apontado como o mais escutado por 55% dos entrevistados. Além disso, o ritmo musical é o segundo mais ouvido em 23 estados brasileiros e vem ganhando cada vez mais força também em outros países.“
Vou poupar o leitor de transcrever aqui letras de funk, mas lendo algumas delas imagino que as escolas que proibiram O Avesso da Pele usando o culturalismo como desculpa devem ter um programa didático específico para curadoria musical para os alunos.
Meu trecho preferido do livro…
“É necessário preservar o avesso, você me disse. Preservar aquilo que ninguém vê. Porque não demora muito e a cor da pele atravessa nosso corpo e determina nosso modo de estar no mundo. E por mais que sua vida seja medida pela cor, por mais que suas atitudes e modos de viver estejam sob esse domínio, você, de alguma forma, tem de preservar algo que não se encaixa nisso, entende? Pois entre músculos, órgãos e veias existe um lugar só seu, isolado e único. E é nesse lugar que estão os afetos. E são esses afetos que nos mantêm vivos.” O Avesso da Pele, Jefferson Tenório
Força Jefferson Tenório e os tantos pretos e pretas que enfrentam, além do racismo, o culturalismo na nossa sociedade.
Continuo minha jornada de letramento.