MEU ENCONTRO COM O SERTÃO

1.

Na minha primeira visita ao sertão do Piauí descobri que as cabras são os principais animais de criação e elas saem de manhã para pastar e voltam para casa à noite. 

Sem serem guiadas por nenhum pastor, humano ou canino, elas sabem exatamente para onde devem retornar e não se perdem no caminho.

Passamos de carro algumas vezes, de manhã cedo ou no fim do dia e elas caminhavam tranquilas, como se aquilo fosse o certo a fazer e sem distinguir dias de semana, dias santos ou feriados.

Fiquei pensando na arrogância da nossa surpresa ou admiração por elas conseguirem voltar, sem ser guiadas, como se o único ser vivo dotado dessa capacidade de aprender caminhos, criar vínculos com o lugar e as pessoas, fôssemos, nós, os humanos.

Certamente esse comportamento  não gerava nenhum estranhamento às pessoas dali, de certo por serem mais sábias sobre a relação com os animais, a natureza que, nós, estrangeiros naquela terra.

2.

À noite, os passarinhos se aninhavam nos galhos secos, retorcidos e muito embrenhados de uma das árvores mais bonitas e fortes que eu já vi. Como as cabras, voltavam à sua morada no final do dia e tomavam lugar para o descanso.

A revoada era silenciosa e eu queria muito ter registrado a movimentação de saída e chegada, mas só consegui vê-los já ali quando já tinha escurecido.

Eles eram de muitos tamanhos e cores e desejei muito que ainda tivéssemos passarinhos assim nas áreas urbanas.

3.

O calor foi arrefecido pelo vento, uma brisa também quente, mas que minimizava muito a incidência do sol equatorial.

Aprendemos com os colegas que os próximos meses seriam do B-R-Ó BRÓ, um acrônimo ou mesmo apelido que usam na região para denominar os períodos mais quentes do ano, que coincidem com os meses terminados em BRO, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro.

“Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. (…) A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da caatinga rala.”

Vidas Secas, Graciliano Ramos

Agradeci por ter ido ainda em Agosto na minha primeira visita e ter aproveitado essa condição climática ainda amena, para os padrões da região.

4.

Senti um pouco de vergonha por conhecer tão pouco do Estado do Piauí, lembrando-me sempre mais da revista que leva esse nome, do que sobre escritores, artistas ou a História.

Passei o Domingo pesquisando e, na primeira busca do Google, apareceu mesmo a Revista. E no editorial de lançamento da publicação, encontrei esse trecho do hino do Estado.

Piauí, terra querida,

Filha do sol do equador,

Pertencem-te a nossa vida

Nosso sonho, nosso amor!

Veio-me à mente, também, a música Cajuína, de Caetano Veloso, que canta sobre a bebida cristalina e o encontro, em Teresina, com o pai de um amigo falecido, mas não achei que valia tanto a lembrança porque o artista é baiano, apesar dela se referir mesmo ao Piauí, eu adorar essa música e me lembrar de uma pessoa muito querida.

5.

Senti também um pouco de culpa, por ter tido um contato literário e cinematográfico com o registro daquela paisagem, que, lendo um livro ou assistindo um filme no ar condicionado do cinema, imprimia uma visão romantizada do que, realmente, significa andar por aquelas terras e ser aquecida por aquele sol.

Eu ouvi as vozes de Chicó e João Grilo e enxerguei todo o cenário do meu filme preferido, o Auto da Compadecida, com a casa do padeiro, a delegacia, a padaria, a Igreja, as ruas de terra, os animais, o mandacaru, ou xique-xique, que são, na realidade, muito maiores e mais altos do que eu imaginava.

Não encontrei a “Baleia” de Vidas Secas chamando muito a atenção o fato das famílias não terem cachorros como animal de estimação.

O único que encontrei não lembrava em nada a cachorra “magra, cujas costelas avultavam em fundo ósseo” e que resistiu a vários sofrimentos, como feridas, queda de pelo e emagrecimento e acompanhou a família de Fabiano na viagem em retirada por causa da seca, nesse clássico romance de Graciliano Ramos.

Ele era enorme, dócil e parecia se interessar em acompanhar nossa reunião, mais pela sombra do salão da igreja, que pela conversa em si.

Conversei com pessoas dali e o sotaque me transportava ainda mais para esses registros literários, confirmando a força que inspirou tantos autores e artistas que retratam a vida no sertão.

6.

As poucas histórias que ouvi, não por falta de interesse nelas, mas porque o tempo foi realmente curto para encontros tão interessantes, registraram o retorno das famílias que tinham se retirado para São Paulo, ou Petrolina e que voltavam ao sertão, já em tempos melhores, para continuar a vida ou retomá-la no local em que, mesmo com a partida, ainda estavam as suas raízes.

E na Capela de São Pedro, ainda era festa de São João…